miércoles, 9 de julio de 2008

TEXTOS MANIQUEOS



Transformar o mal em Bem é a missão do homem. Mas só está capacitado para isso a-quele que morreu segundo a sua natureza terrestre e renasceu, segundo a sua natureza divina. Este profeta indomável rejeita as autoridades dos sacerdotes e dos magos. Ambos, diz ele, “desviaram-se da verdade e enredam-se na ilusão”
Mani viveu há cerca de 1700 anos. Geralmente é atrihuida a data de 216 d.C. ao seu nascimento, na Babilónia. Apresentou-se ao mundo como apóstolo de Jesus, repondo o seu ensinamento gnóstico. Voltou a trazer o ensinamento de Buda e de Zoroastro (Zaratustra), isento dos acrescentos e mutilações que entretanto o tempo e os seus cultos e seguidores lhe tinham conferido. Formou uma religião de Luz que foi acolhida por milhões de corações de homens e mulheres. Esta religião, que se expressava na língua e na mentalidade daquele que escutava, estendeu-se por todo o médio oriente, mas também pela Europa, Norte de África e Ásia. Durou mais de mil anos. Todos os po-vos que estiveram sob a sua directa influência experi-mentaram nessa época um alto desenvolvimento cultural, material e humano.



Este movimento internacional deu a conhecer, sob as asas do impulso cristão, uma vasta síntese daquilo que havia de verdadeiro no Cristianismo, no Budismo e no Mazdeísmo. Os Chineses chamavam-lhe “Buda de Luz”, e os Egípcios, “Apóstolo de Jesus”.

Até ao século XIX, o conhecimento e o estudo do Maniqueísmo baseou-se somente em testemunhos indirectos, textos de adversários como Agostinho (cuja obra haveria de lançar as bases para a futura Inquisição, a qual, a partir de 1231, perseguiu sistematicamente “o abominável sacrilégio da heresia” do Catarismo).
“Ser confundido com a seita maldita, era a pior sorte que poderia ameaçar um grupo cismático ou herético”, escreveu Decret, um arqueólogo investigador deste tema.

Em 1930 foram achados no Egipto vários manuscritos originais maniqueus (Os Salmos, Os Kephalaia, as Homilias, entre outros). A descoberta tornou mundialmente reconhecida a importância do Maniqueísmo como religião universal. Com este acontecimento, a herança gnóstica do passado começou a solicitar um considerável interesse entre os pesquisadores.
Posteriormente, a tradução dos textos essénios em Qúmram (1947), e da biblioteca gnóstica encontrada em Nag Hammadi (1945), no Egipto, inauguram um movimento mundial de ressurgimento do pensamento gnóstico, que torna ainda mais pertinente o conhecimento da doutrina de Mani.

Em perfeita sintonia com a tradição hermética, o maniqueísmo parte da observação que o homem é um deus mortal. A filosofia maniqueia explica que o homem imortal, tendo sido apanhado numa consciência que não é a sua, jaz aprisionado, latente, no imo do homem da natureza da morte, obrigado a viver uma vida que lhe é estranha.
Na concepção filosófica maniqueia, o homem maduro, cansado de viver esta semi-vida, volta-se para o Pai, em anseio de salvação. Mas, para que a nova consciência se possa manifestar, é necessário construir passo a passo um novo veículo. Um novo corpo, perfeitamente estruturado e imortal.

Um salmo maniqueu fala a respeito da alma quíntupla do homem: Da pura veste-de-Luz, veículo da consciência nova, que o candidato tece e reconstrói no seu processo de libertação. Essa veste é a “serva equipada com cinco forças, a fim de combater os cinco abismos das trevas”.

Nos salmos maniqueus, é dito que “a Igreja Perfeita é Uma, Duas e Três”.
Havia três degraus que correspondiam aos três graus de desenvolvimento espiritual e interior. O primeiro grau (o mais externo) dizia respeito àqueles que aspiravam à libertação da alma original. O segundo, àqueles em quem a alma original se estava a tornar dinâmica. O terceiro, àqueles em quem agia o Espírito Divino.

Esta divisão aparece na disposição da estrutura do templo tríplice que foi descoberto recentemente pelo pesquisador alemão A. von Le Coq.

Agostinho, pai da Igreja de Roma, pertenceu ao círculo mais externo da comunidade maniqueia (a fase dos ouvintes). Durante nove anos, ele fez parte desse círculo da Fraternidade Maniqueia no Norte de África. Mais tarde abandonou-a e converteu-se ao catolicismo romano,como é atestado no seu livro “confissões”.

No entanto, quando um ouvinte, impulsionado por um ardente desejo do coração, queria prosseguir, ele tinha toda a liberdade de entrar para a Igreja Interna.

“Vim do país de Babel, para fazer ressoar um grito em todo o mundo”. É assim que o escritor libanês, Amin Maloouf, no seu livro “Os Jardins de Luz”, fala sobre o chamado e a mensagem de Mani. É este o grito que Mani fez ressoar no decorrer de uma longa peregrinação através de inúmeros países. Das “regiões da Luz” lançou o seu chamado e trouxe a sua mensagem a toda a humanidade.
Segundo a lenda, Mani nasceu na Pérsia, em 216, em Selêucida-Ctésifon centro de uma po-derosa civilização (entre 2100 a.C. e 602 d.C.). Daí lhe veio o apelido árabe de “al-babilyu”, o babilónio, ou a designação de “o mensageiro do Deus da Verdade, vindo de Babel”.

Em 276, acusado de heresia, Mani é colocado a ferros por ordem do rei Bahram, filho de Sapor I. “O médico de Babel”, agonizou durante 26 dias até lhe sobrevir a morte. Não é provável que tenha sido crucificado como se diz.
Segundo a citação de um Codex, Mani é chamado para a sua missão pelo Espírito Santo, que lhe aparece sob a forma do “Divino Companheiro” at- Taum. Nos textos maniqueístas coptas este companheiro é chamado Saís e nos Kephalaia ele é designado como “o Paracleto Vivo”.

Citações dos Kephalaia:

“Ele coloca seu Espírito, que é Amor, no Espírito do Novo Homem.
Seu Pensamento, que é Fé, no pensamento do Novo Homem, o qual ele liberta.
Seu discernimento, que é a Perfeição, no discernimento do Novo Homem.
Sua Compreensão que é Paciência, ele o coloca na compreensão do Novo Homem.
E a Sabedoria, que é Razão, Na razão do Novo Homem.
Ele purifica a imagem da Palavra pecadora e a coloca em sua palavra (...).
O espírito das Trevas é aprisionado (...).
O Novo Homem reina em seu Amor, sua Fé, sua Perfeição, sua Paciência, sua Sabedoria.”

Citações dos salmos maniqueus:

“Cinco são as grandezas que reinam desde o princípio.
Todas emanaram do Espírito Único.
O Espírito Santo vem em cinco forças.
A alma recebeu-o em cinco órgãos.
Ele liberta os membros da alma e destaca-os dos cinco membros do pecado.
Estes cinco membros do pecado, assim destacados, ele prende-os.
Ele eleva então os membros da alma, reconstrói-os, purifica-os e a partir deles, forma um novo homen que é o filho da justiça.”

Alma, Alma,
Lembra-te do Éon da Luz.

Ó, Alma, de onde vens?
Vens do alto.
És estrangeira no mundo.
Estás apenas de passagem na terra.
Tua morada é no alto,
Uma tenda de alegria.
Aí, tens um verdadeiro pai e uma
Verdadeira mãe.
Aí tens verdadeiros irmãos.

És uma batalhadora.
És a ovelha que vagueia no deserto.
Teu pai procura-te
E por amor a ti
O pastor saiu em tua busca.

És a vinha de cinco ramos,
Que é o alimento de Deus,
O alimento dos anjos,
A festa dos justos,
O manto dos santos,
O conhecimento dos perfeitos,
A memória dos crentes.

(Texto extraído dos salmos maniqueus)

Ó Alma, levanta-te
Nesta casa cheia de pesares,
Ladrões e demónios.
Não te enganes.
Todos querem a tua vida.
Caçadores de morte,
Eles apanham o pássaro na armadilha
E quebram-lhe as asas,
Para impedir que ele volte ao ninho.
Ó Alma, levanta-te!
Volta para a tua Pátria.
Já te libertaste dos laços que te prendem.
Entra na morada da alegria.

Brilha por toda a Eternidade.

(Texto extraído dos salmos maniqueus)

Que devo fazer para viver?
Meu Salvador,
Que devo fazer para viver?

Jejua, ó Alma, e viverás!
Dá repouso à tua mão.
Reveste-te com a pureza da Verdade.
Dá à tua inteligência o dom do Amor.
Oferece a tua razão à Fé.
Dá ao teu pensamento a Perfeição,
Ao teu direccionamento a perseverança,
À tua vontade, a Sabedoria.
Cria o espaço em ti para as pombas
De asas brancas.
Não acolhas em ti nenhuma serpente.
Não abrigues a cólera...

A Fé é quem comanda.
Aperfeiçoa a tua Perfeição.
A tudo suporta com paciência.
Com o conhecimento tudo compreenderás.
Guarda a Lei interior.
Aperfeiçoa os teus actos.
Permanece eternamente voltado para a tua missão.

(a partir da tradução directa do Copta para o inglês por Alberry)

Sou uma odorosa semente da luz,
Lançada num bosque cerrado
Sob os espinhos.
Oh apanha-me e colhe-me!

Leva-me para casa
para o eirado da Lei Divina,
no celeiro da Luz!

(Salmo Maniqueu)

O Espírito da Verdade veio
e separou-nos da ilusão do mundo.
Ele trouxe-nos um espelho.
Olhando para o espelho estamos a ver o todo.
O espelho mostra-nos que existem duas ordens:
A ordem da Luz e a ordem das trevas.
A ordem da Luz interpenetra a ordem da escuridão.
Mas, apesar de tudo,
as trevas estão desde sempre separadas da ordem da Luz.

(Texto extraído do livro dos Salmos de Mani)

Quero glorificar-te,
Pedra angular inalterável,
Eternamente a mesma.
Alicerce inabalável,
Cordeiro atado à cruz da natureza,
Tesouro oculto na terra,
Jesus, filho do orvalho da manhã,
Seiva de todas as árvores,
Doçura de todos os frutos,
Olhar do céu,
Guardião de todos os tesouros,
Herói que carrega o universo,
Alegria de todas as criaturas,
Paz dos mundos.
É uma maravilha falar de ti.
Estás no interior, estás no exterior.
Estás lá em cima,
Estás aqui em baixo.
Estás perto e estás longe.
Estás oculto e manifesto.
Calas-te, e, no entanto, falas.

Tu és a glória por inteiro.

(Fragmento do Livro dos Salmos de Mani)

Salvé, ó alma.
É jubilando
Que conduziste tua luta
A um bom fim.
Ficaste livre do antro do leão,
Da casa dos ladrões,
Deste corpo mortal,
Por quem todos choram.
O mar e as ondas,
Tu os venceste pela fé.
Os monstros que aí moravam
E que queriam engolir teu barco,
Tu os venceste a caminho.
Eles nem te conheceram,
Nem te compreenderam.
O pecado
Está em grande confusão
Pois de repente escapaste dele
E não o seguiste
Na sua falta de rumo.
E o fogo dos seus demónios
Tu o extinguiste
Com a tua crescente virtude.
Confundiste os caçadores
Que queriam caçar-te.
Desfizeste as suas armadilhas
E olha como eles se espantam
Com a beleza das tuas asas
Agora que, magnífica,
Te elevas como as águias
Rumo ao pombal da liberdade.

(Fragmento do Livro dos Salmos de Mani)

À esquerda e à direita,
em cima e em baixo
andei por toda a parte,
a vida inteira.

Nunca deixei que o inimigo
apagasse a minha candeia.
(...)
Entre júbilos e cantares
voltei à minha terra natal.

Vede, aqui estou,
A emergir do corpo da Morte.

(Excertos retirados dos Salmos de Mani e dos Kephalaia)

A todos nos deixaste o legado,
Para no justo espírito da verdade
Encontrarmos protecção

E do teu Reino
Trouxeste-nos o espelho,
Onde podemos ver o Universo.
Passado, Presente e Futuro,
tudo nos deixaste conhecer.

Tu nos livraste da dor ó Senhor.
Ó Paracleto, espalhaste sobre nós a alegria.
(...)
Hoje, ofertamos-te a nossa Rosa,
Como as árvores dão os seus frutos,
De modo a que ela se torne uma corôa
Que tu colocarás na nossa cabeça.

Procurava, e encontrei.
Encontrei o porto de abrigo.
O porto é o mandamento Divino.
Lanço os meus pés ao caminho.
O caminho é o conhecimento de Deus,
a Gnose.

Rui Freitas